domingo, 18 de novembro de 2012

Teologizando e filosofando sobre a existência de Deus a partir da teoria do “já é e ainda não” de Oscar Cullmann.


Palavras chaves: fé – razão – Reino de Deus – Oscar Cullmann – Jürgen Moltmann – Martin Buber – Ernst Bloch - vida eterna.

Tudo aquilo que não é visível ou ainda não aconteceu, significa que não existe ou que ainda não se manifestou? Não sabemos. Muito depende da nossa abordagem: fé ou razão? Quando o assunto é “espiritual” a nossa tendência é priorizar a fé, todavia existe o risco de espiritualizar aquilo que não pode ser espiritualizado. Quando o assunto é secular, a nossa tendência é priorizar a razão, mas neste caso também existe o perigo de racionalizar ou que não pode ser racionalizado.

Todavia, o ser humano, de qualquer religião ele seja, até um ateu, vive a sua existência numa continua tensão dialética entre a fé e a razão: dependendo do assunto e do momento, priorizará ou uma ou outra.

Um exemplo esclarecedor é a “ausência” do Reino de Deus.

Em Stuttgart, na Alemanha, em 1933, o filosofo Martin Buber teve um debate com um perito em Novo Testamento sobre por que ele, judeu que admirava Jesus, mesmo assim não podia aceita-lo. Para os cristãos, ele afirmou, os judeus deviam parecer obstinados quando firmemente aguardavam a vinda de um Messias. Porque não reconhecer Jesus como o Messias? A Igreja repousa sobre a fé de que Cristo veio e que essa é a redenção que Deus concedeu à humanidade. Mas os israelitas não podem crer nisso, por que eles sabem com mais profundidade, mais realidade, que a história do mundo não virou de cabeça para baixo desde os fundamentos e que o mundo não foi redimido. Os judeus sentem a falta de redenção. A declaração de Buber assumiu um ar de lamentação aumentado nos anos seguintes, pois 1933 foi o ano em que Adolf Hitler subiu ao poder na Alemanha, acabando com qualquer duvida acerca do caráter não redimido do mundo. Como poderia um verdadeiro Messias permitir que tal mundo continuasse existindo? Como poderia existir um Libertador sem libertação?

A única explicação possível encontra-se nos ensinamentos de Jesus de que o Reino de Deus vem em estágios. E’ “agora” e também “ainda não”, presente e também futuro. Às vezes Jesus enfatizava o aspecto presente (“o reino está próximo” ou “dentro de vos”), em outras ocasiões dizia que o reino jaz no futuro (“venha o teu reino”). Martin Buber está certo quando observa que a vontade de Deus não está aparentemente sendo feita na terra como é feita no céu. Sob alguns aspectos importantes, o Reino ainda não veio completamente.

Talvez o próprio Jesus tivesse concordado com a afirmação de Buber sobre o estado do mundo. “No mundo tereis aflições”, disse Jesus aos seus discípulos. Durante um período de tempo, o Reino de Deus deve existir junto com uma rebelião ativa contra Deus. O Reino de Deus avança lentamente, humildemente, como um exercito secreto de invasão atuando dentro dos reinos governados por Satanás.

A situação, hoje, á mesma.

Onde estão os efeitos transformadores do Evangelho, onde estão os sinais do Reino de Deus? A Igreja está aí sim, enquanto o Reino de Deus parece continuar distante. Violência, pobreza, fome, sofrimento, injustiça social, morte: são todos sinais que revelam a “ausência” do Reino de Deus.

Para a cristandade e respectivamente para a humanidade, o termo “Reino de Deus” assinala uma promessa ainda não cumprida e uma esperança da qual se pede razão. A impressão, a acusação ou a simples constatação lacônica que apesar da cristianização de grande parte do nosso mundo, todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação, constrange a Igreja de Cristo e a confronta com algumas perguntas: o Reino de Deus, ele ainda virá? Jesus trouxe a presença do Reino ou somente a esperança de um Reino futuro?

São muitas as respostas típicas da teologia de nossa época a respeito do Reino de Deus e da sua esperança escatológica. Esperança sempre foi assunto central na teologia e na Igreja. Parafraseando o teólogo alemão Jurgen Moltman, um comportamento, para ter sentido, só é possível dentro de um horizonte de esperança; do contrário todas as decisões e ações vão desesperadamente ao encontro do nada, ficando suspensas no ar, sem compreensão e sem sentido.

A teoria do “já é e ainda não” do teólogo suíço Oscar Cullmann, nós ajuda a entender a tensão escatológica entre o Reino de Deus presente (oculto, escondido, kenotico) e o Reino de Deus que há por vir (novos céus e uma nova terra, sem sofrimento nem lagrimas).

Oscar Culmann, usando uma terminologia da Segunda Guerra Mundial, introduz a noção do Dia D e o Dia V. Os aliados venceram os nazistas em uma batalha na Normandia, que ficou conhecida como o Dia D. Ali foi vencida uma batalha, não a guerra. Os nazistas só foram vencidos tempos depois, no confronto conhecido como Dia V. A grande invasão de Deus se deu no ministério de Jesus. A vitória foi na cruz do Calvário, onde segundo Paulo, Jesus despojou os principados e potestades, expondo-os ao desprezo público. Mas, ainda falta vencer toda obra do mal, que será vencida na Segunda Vinda de Jesus. Nós vivemos a expectativa do intervalo, entre o Dia D e o Dia V. Assim podemos entender a tensão dialética do Reino, do “já e ainda não”.

O já é e ainda não das promessas de Deus.

Sabemos que Deus é atemporal e que, em outras palavras, está acima do tempo, portanto quando Ele promete algo (por exemplo, o Messias por meio dos profetas), Ele não promete algo que vai acontecer, mas algo que já aconteceu. A Sua Palavra e o Seu eterno proposito já se cumpriu: somente falta a manifestação natural desta promessa.  A promessa da parte de Deus da vinda do Messias, para que a mesma pudesse entrar no tempo, somente precisava de condições favoráveis (plenitude dos tempos ou kairós de Deus). 

Deus tem o “futuro como propriedade do ser”, afirmava o filosofo Ernst Bloch, portanto aquilo que está proferido por Ele, apesar de que seja algo que há por vir, na realidade “já é”. Quando se trata de promessas divinas, o “ainda não” (ou seja, a sua manifestação) está ligado sim a algumas condições, mas as mesmas já estão predeterminadas pelo Autor da promessa.

O teólogo alemão Jürgen Moltmann, no seu livro “Teologia da Esperança” afirma que uma promessa é a palavra dada que anuncia uma realidade ainda não existente. Assim a promessa manifesta uma abertura do ser humano para a história futura, em que se deve esperar o cumprimento da promessa. Quando se trata de uma promessa divina, isto significa que o futuro esperado não se desenvolverá a partir do circulo das possibilidades que existem no presente, mas se realizará a partir daquilo que é possível ao Deus da promessa. Pode tratar-se, portanto, de coisas que segundo o padrão da experiência presente aparecem como impossíveis...

... Se uma palavra é palavra de promessa, isto significa que ele ainda não encontrou sua correspondência na realidade, mas está em contradição com a realidade presente e experimentável. A dúvida pode surgir sobre a palavra da promessa, quando, ela é medida pelo padrão da realidade presente. Ao contrario, surgirá a fé na palavra se a realidade presente for medida segundo o padrão da palavra da promessa. As promessas de Deus giram em torno de impossibilidades: se deparam com situações impossíveis ou ainda não reais.

Mas o que acontece quando tirarmos a fé do nosso caminho? A teoria do já é e ainda não permanece valida?

Sim, porque o que está acontecendo neste momento é um “já é e ainda não” na minha vida enquanto estou escrevendo, já sei o que vou escrever nas próximas linhas, mas ainda não finalizei este artigo. É também um “já é e ainda não” da sua vida, enquanto você está lendo, mas ainda não chegou ao final deste artigo. Se você se levantar neste momento porque o seu almoço está pronto, não poderá ler o final agora e se você morrer depois do almoço, não poderá ler o final nunca mais.

Entre o meu pensamento de me levantar da cadeira, parar de escrever e abraçar a minha esposa, existe uma tensão temporal entre a ideia e a ação. Eu já decidi de me levantar e abraçar a minha esposa, mas ainda não a abracei: é um “já é”, mas é também um “ainda não”. E se eu morrer durante o caminho para chegar até ela, o artigo não será finalizado e o “ainda não” continuará a não ser para sempre.  O mundo ficará sem o meu artigo e a minha esposa sem o meu abraço: vocês poderão ler outros artigos, mas não o meu artigo, e a minha esposa poderá receber sim um abraço, mas somente pelos poucos participantes ao meu velório. Todavia, eu conseguindo finalizar o meu artigo e em particular abraçar a minha esposa, poderei mudar ou transformar o meu ser, a minha vida, a minha historia e o meu casamento.

A humanidade vive numa continua tensão entre o presente e o futuro, entre um “já é” e “ainda não”. O presente é algo que não é mais na hora que nós antecipamos o futuro com o nosso pensamento, mas ainda não é futuro quando não se realiza e se manifesta. Desta forma podemos afirmar que o ser humano vive como suspenso num espaço temporal que é precisamente o “já é e ainda não”.

A vida, analisada racionalmente, é uma serie quase infinita de causas e efeitos, na maioria das vezes completamente casuais, durante períodos de tempos definidos entre o “já é” e o “ainda não”.

A vida assim seria, em minha opinião, muita pouca coisa: por esta razão prefiro crer que a minha vida seja um “já é” nesta terra que aguarda um “ainda não” no céu.  Sem o céu a nossa vida, e a minha em particular, não teria sentido nem logica: seria um cheque sem fundo que nunca seria descontado. Em outras palavras a vida seria sacanagem.

Apesar da minha tamanha decepção com Deus por causa da Sua aparente ausência em minha vida, ainda considero a fé nas promessas bíblicas a melhor opção para a humanidade.

Tudo aquilo que Ele não cumpriu ou deixou de cumprir em minha vida deve ter uma explicação: ou Ele não me prometeu nada e estou cobrando o que nunca foi prometido ou estou entre o “já é” e o “ainda não” e preciso aguardar mais um pouco. Não vai ser fácil aguardar serenamente, enquanto estou mais perto da minha departida que do meu nascimento, mas precisa esclarecer que não tenho outras opções.

De qualquer forma, consegui finalizar o artigo e abraçar a minha esposa (será?): isto significa que ainda estou vivo e poderei desfrutar mais uns “já é e ainda não” da minha, aparentemente inútil, existência.

Saudações

sábado, 17 de novembro de 2012

A imprevisibilidade de Deus, a inconsistência da teologia da retribuição, o Livro de Jó e as razões de Nietzsche.


O ser humano não está preparado para enfrentar as dificuldades e isto porque todos nós esperamos que nos aconteçam somente coisas boas. Quando alguma fatalidade ou adversidade se apresenta, o desespero toma conta. 

Algumas pessoas acreditam que as coisas ruins possam acontecer somente com os outros, enquanto “Deus é fiel” e nunca permitiria que um filho dele pudesse enfrentar um sofrimento. Posso lembrar que Ele não poupou do sofrimento nem o Seu Filho unigênito, meus bobinhos? 

E Deus é fiel com quem? E por quê? Que eu saiba, em primeiro lugar Deus é fiel a Si mesmo, a Sua Palavra e aos Seus propósitos e designíos eternos.

Deus então, segundo o pensamento comum, seria fiel comigo quando me presenteia com um carro importado, mas seria também completamente infiel com aquela criança estuprada pelo padrasto, com aquela moça que está com leucemia, com aquele garoto que não tem o que comer.  Um Deus esquisito. 

Os relatos bíblicos do Antigo Testamento descrevem, todavia um Deus muito menos esquisito, um Deus fiel e, sobretudo, totalmente imprevisível na Sua fidelidade. Deus- Javé sempre permaneceu fiel com seu povo mantendo na memoria seus compromissos forjados com eles, apesar dos contínuos pecados deste povo de dura cerviz. Mas esta Sua fidelidade sempre se manifestou de maneira totalmente imprevisível.

As coisas não mudaram nos nossos dias. Em muitas ocasiões esperamos uma punição instantânea e severa de Deus do estuprador da criança e ela não vem. E para piorar as coisas e aniquilar o nosso raciocínio, a mãe da criança estuprada, além da dor, fica logo depois doente e morre de câncer, deixando a criança totalmente desamparada. 

Os ateus então, diante destes acontecimentos, tem a confirmação que Deus não existe. Os religiosos, os que mais me incentivam ao vomito, apresentam teorias idiotas sobre a justiça de Deus e a “Sua mão pesada” deixando entender que é a retribuição de Deus pelo pecado oculto da mãe da criança estuprada. E a doutrina da graça apresentada pelo apostolo Paulo em numerosas Cartas? Vamos jogar no lixo? E a Sua imprevisibilidade? 

Eles inventaram a doutrina da retribuição: eu sou bom e Deus me abençoa, o outro é um pilantra e Deus o castiga. Nem sempre é assim, nem sempre acontece desta forma. A Bíblia também descreve um Deus que não age sempre e necessariamente desta maneira: Ele é totalmente imprevisível. A interpretação antropomórfica dos atributos e do caráter de Deus leva o ser humano a não considerar com a devida atenção que estamos falando de um Ser infinito com uma mente infinita, onisciente, onipresente e onipotente: muito mais que um super-herói da Marvel. A nossa mente, ao contrario, sinto muito lembra-los, é finita, e em alguns casos trata-se até de mentes limitadíssimas. 

A imprevisibilidade de Deus é a salvaguarda da Sua liberdade, a Sua não redução a um gênio da lâmpada ou a um mero guardião de interesses pessoais. Ele não é um servo idiota que pode ser aprisionado dentro da nossa logica humana. Eu também não consigo entender os Seus pensamentos e os Seus atos: isto é uma das minhas maiores frustrações e, muitas vezes, até motivo de queixa com Ele. 

O tema central do livro de Jó é o problema do sofrimento do inocente, mas, sobretudo a natureza do relacionamento entre o homem e Deus, em oposição à teologia da retribuição, crença generalizada entre o povo antigo assim como em nossos dias: as boas ações atraem a benção de Deus e as más ações atraem o castigo. 

Para quem não teve a possibilidade de ler este livro do Antigo Testamento, podemos resumir que Jó era um “homem integro, reto, temente a Deus e desviava-se do mal”. Jó era admirado pelos homens e por Deus, um dos homens mais bem sucedidos, financeira e socialmente: porque Deus permitiu que muitas tragédias recaíssem sobre a sua vida, levando-o a perder bens, filhos e saúde? Pecado não foi, sendo que Jó era um homem integro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal. 

Satanás havia desafiado Deus em relação à Jó, afirmando que:

1. Jó amava a Deus somente porque Ele havia abençoado este homem
2. Deus, de alguma forma, havia comprado o amor de Jó, abençoando-o mais que os  outros. 

Deus aceita o desafio, declarando que o amor de Jó por Ele era sincero e singelo. Durante o sofrimento Jó, apesar das circunstancias, se transforma por meio de um relacionamento mais intimo com Deus. Jó em momento algum blasfemou contra Deus por Ele ter tirado os seus bens, os seus filho e a sua saúde e no final, quando Jó entende que Deus é Deus e que Ele está totalmente no controle, obtém a restituição dobrada dos bens, da saúde e 10 filhos. 

O livro de Jó quebra completamente a teoria da retribuição colocando-a em xeque. Jó amava a Deus enquanto Deus e não pelas benções recebidas.

Os vendilhões da fé, todavia acham muita vantagem aproveitando de frases bíblicas e pseudo-biblicas para nos ensinar a fazer permuta com Deus. Esta relação de troca e de barganha é infantil e demostra um total desconhecimento da natureza divina: Deus não é comerciante. A teologia da retribuição é utilizada pelos canais de fé, porém o livro de Jó apresenta que mesmo seguindo todos os preceitos religiosos, os melhores caminhos do bem, nunca estaremos livres de tempestades, nunca ficaremos isentos do sofrimento. 

Deus é livre de fazer milagres quando Ele quiser e do jeito que Ele quiser: em final de contas Ele é imprevisível.

Quero concluir com uma frase do filosofo alemão Friedrich Nietzsche, um dos maiores críticos de Deus e do cristianismo:

"O Homem, em seu orgulho, criou a Deus a sua imagem e semelhança."

Ele havia razão.

Saudações.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Reintroduzindo o caos.


Com “TEOLOGANDO E FILOSOFANDO” pretendo abordar assuntos que se tornaram verdades absolutas quando começaram a fazer parte do senso comum e dos clichês de algumas tribos sociais e, sobretudo religiosas.  O Brasil, um pais onde o sincretismo religioso é imperante, nos proporcionou nos últimos anos uma infinidade de falsas verdades bíblicas, falácias e sofismas, a respeito de Deus e da Sua natureza, a respeito de doutrinas aparentemente bíblicas, a respeito de fé, de sonhos, de vida e de morte, de ética e moral. O Brasil hoje vive nas sombras de uma serie quase infinita de ditados populares que estão sendo confundidos com versiculos biblicos que nunca existiram.

Com este blog pretendo “reintroduzir o caos” no que “não pode ser questionado” enquanto “sagrado” porque relacionado a Deus. Pretendo criticar e destruir as mentiras disfarçadas de verdades, todas as interpretações e as adaptações antropológicas da Bíblia. 

Quando uma pessoa não tem nenhum conhecimento de física quântica, com certeza não se atreva a discutir sobre este assunto com um físico nuclear. Todavia, infelizmente, quando o assunto é a religião ou Deus, qualquer pessoa quer apresentar a própria verdade, até quando ele nunca leu um único versículo bíblico. Por esta razão, misturando kardecismo, catolicismo, doutrinas pentecostais, aberrações teológicas, doutrinas heréticas e lendas metropolitanas, hoje temos aqui no Brasil uma multidão de “teólogos autodidatas” e de “filósofos do obvio”.  Existem pessoas que ficam repetindo há anos a mesma bobagem ouvida por um intelectual, um escritor, um cantor gospel, um pregador, um contador de historias pseudo-bíblicas ou simplesmente um pilantra manipulador de auditório que quer ganhar dinheiro nas costas dos outros.

Eu, enquanto teólogo de verdade, decidi não discutir mais com quem não tem conhecimento sobre assuntos teológicos. Eu hoje exponho os meus pensamentos e as minhas ideias: pronto. O leitor pode ler ou não, refletir, concordar ou jogar fora: nem ficarei sabendo. Este blog não tem proposito evangelístico nem apologético, mas é o desejo, ou melhor, a necessidade de abrir e oferecer um espaço ao pensamento teológico e filosófico: talvez seja, em primeiro lugar, uma necessidade da minha alma.

É engano acreditar que nós somos donos da verdade: eu também não sou. Pior ainda é acreditar que nós podemos ter o controle das nossas vidas: eu já percebi que não tenho nenhum controle sobre os eventos principais da minha existência. Eu gerencio somente o cotidiano. Ninguém conhece a verdade absoluta a respeito de qualquer assunto e ninguém conhece o dia de amanhã. E Deus não demonstra o que acontecerá conosco nas próximas horas, dias, semanas, meses ou anos. Nós não conhecemos o dia da nossa partida nem os acontecimentos futuros referentes à nossa pessoa ou à nossa família. 

E quanto acontece conosco não sempre é algo planejado por Deus (apesar da Sua onisciência), mas pode ser fruto do acaso, das nossas escolhas, das escolhas alheias, do ambiente no qual vivemos, etc... Em outras palavras, a nossa existência depende de infinitas variáveis e nós temos a possibilidade de controlar somente algumas e na maioria das vezes nem completamente. Por isto que a Palavra ensina - para quem quer aprender - que nós devemos descansar em Deus: ninguém é dono da verdade, de si mesmo e do seu destino. Somente Ele conhece o nosso futuro e o que é melhor para nós. Eu já descansei n’Ele, já decepcionei e agora simplesmente vivo como se Ele não existisse, mas ciente que Ele existe: a minha esperança é que um dia um dos dois procurará o outro, pouco me importa quem procurará quem. Neste momento parece que nem eu nem Ele estamos com vontade de bater um papo. 

Fico abismado com a arrogância de quem, misturando doutrinas bíblicas ou pseudo-biblicas e frases de autoajuda, acredita que possa, juntamente com Deus, direcionar a própria vida. Neste caso Deus se torna um empregado que deve necessariamente abençoar o “filhinho amado e mimado” enquanto o mesmo tem “muita fé”. Como se ter fé fosse o passe para ter direito a dinheiro, fama, poder, saúde, bens, e quanto mais. Como se Deus fosse obrigado a realizar os nossos sonhos, porque alguém decidiu que todos os sonhos são de Deus e que é Ele que os coloca nos nossos corações (onde o camarada tirou isto, somente Deus sabe).

Eu entendo que no inicio o homem possa precisar de crenças e opiniões prontas (seja mito seja senso comum), a fim de apaziguar a aflição diante do caos e adquirir segurança para agir. Todavia, depois precisa  que o homem chegue a um ponto no qual ele seja capaz de “reintroduzir o caos” criticando as verdades sedimentadas, abrindo fissuras e fendas no “já conhecido” de modo a alcançar novas interpretações da realidade. Todo conhecimento dado tende a esclerosar-se no habito, nos clichês, no preconceito, na ideologia. 

Estou aqui para “reintroduzir o caos” principalmente na minha vida, com a esperança que algo aconteça e o que neste momento é “sem forma e vazia” possa se tornar novamente o Jardim do Éden. 

Saudações